domingo, 14 de junho de 2009

MEMORIAL

Recordar o passado é também revivê-lo. Que felicidade é poder puxar pela memória e recordar as aventuras, alegrias, tristezas e sacrifícios que foi minha trajetória estudantil. Tudo começou aos seis anos de idade, mais precisamente no ano de 1989, nesta época, professor, ou melhor, bons professores era coisa rara no Povoado de Quixaba de Santa Rita, apenas um dos professores tinha concluído o Magistério e os demais eram leigos, inclusive minha mãe, que lecionava em uma sala de 2ª série.

Minha mãe preocupada para que eu fizesse uma alfabetização bem feita e diante da dificuldade de encontrar um bom professor que lecionasse com Alfabetização resolveu fazer a experiência de mim mandar todos os dias junto com meu pai para a fazenda de meus avós paternos, pois lá, minha tia lecionava e era bastante procurada devido as suas metodologias de ensino, mesmo ela não tendo concluído o curso de Magistério. Mas a experiência foi terrível ela tinha alunos de todas as idades, eu era a aluna mais nova e os mais velhos tinham idade de ser meus pais. Era uma sala multisseriada. Não deu certo e com isso tive que freqüentar uma escola no Povoado.

Não são muito boas as lembranças que guardo das metodologias usadas por minhas professoras nessa época, tinham sempre uma postura de General em sala de aula, rígidas e sempre cobrava muita disciplina, desobediência era castigo certo: 10min ajoelhados no milho.

Fui alfabetizada com métodos tecnicista e mecânicos, ou seja, era tudo na base da repetição e do decoreba. O ABC e a tabuada eram parceiros constantes, pois na hora de fazer a lição, a professora pegava um pedaço de papel, fazia um furo e, com este, em cima do ABC mirava numa letra e nós tínhamos que identificar que letra era do Alfabeto. O erro era representado pela palmatória.

Não lembro de estímulos para leitura de livros que não fossem os didáticos. Por morarmos em povoado o acesso a determinadas coisas, livros e informações eram muito difíceis. Não tínhamos biblioteca na escola.

As dificuldades e cobranças sempre foram motivadoras para querer sempre mais. Continuei correndo atrás do que acreditava que poderia ser um diferencial no contexto social do qual fazia parte.

Como diz Leonardo Boff “cada um hospeda dentro de si uma águia e sente-se portador de um projeto infinito”. Foi com esse espírito de águia e de alçar novos voos que em 1996 iniciou-se em minha vida uma nova etapa, fui estudar o Fundamental II num colégio de Padres, a escola ficava na cidade de Tucano/BA e todos os dias às 5:30 da manhã tinha que estar de pé, pois às 6:00 rigorosamente o ônibus partia rumo a cidade. O início foi difícil à adaptação, pois tinha que acordar e se alimentar muito cedo e o retorno para casa era sempre no turno da tarde. A fome, quando não tinha merenda, era companheira constante e inimiga na concentração para assistir às aulas, mas o projeto e os desejos guardados no coração eram bem maiores.

Nesse período os professores continuavam fazendo uso de métodos tradicionais, só a abordagem tinha uma roupagem nova, mas continuavam com as mesmas idéias tradicionalistas e decorebas.

A escola acabou tornando-se uma extensão de minha família, pois sempre foi um lugar acolhedor. Lembro-me saudosa quando todas as manhãs, antes das aulas, faziam-se filas no pátio, por série, e rezávamos sempre a oração da manhã. Aquele era o momento de falar com Deus na escola.

Durante o período de 5ª a 8ª série a escola ainda não tinha conseguido despertar meu gosto pela leitura, só freqüentava a biblioteca para alguma pesquisa de trabalho. Na verdade, a biblioteca era um recinto “sagrado” e poucos tinham o privilégio de freqüentá-la.

O ingresso no Ensino Médio foi outro período de transição e dúvidas, tive que mudar de colégio e iniciei o curso de Magistério. Comecei na certeza de que nunca seguiria a profissão de minha mãe, professora. Mesmo sendo esse um sonho cultivado por ela desde sempre. O curso, naquele momento, seria apenas um meio de chegar à conclusão do Ensino Médio, nessa certeza angustiava-me o fato de não saber com qual profissão me identificava.

Durante o curso encontrei pessoas que assumiram a função de instigadores do saber, a ideia proposta não era trazer respostas prontas, mas construir, juntos, conceitos e saberes. E esta deve ser a função da escola, como diz Rubem Alves: “as escolas existem não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas”. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme, mas somente as perguntas nos permitem entrar pelo mar desconhecido.

Neste momento de minha vida descobri a maravilha e o prazer de ler. Tive uma professora de Língua Portuguesa que resignificou meu pensar, meu agir, meu ver...

Ela me apresentou Machado de Assis e sua paixão pelo poeta. Adorava ouvi-la relatar sobre a noite maravilhosa que tinha tido ao ir deitar acompanhada de José de Alencar, ou de Machado ou de qualquer outro autor.

Contagiada por sua paixão tornei-me amante também de Machado de Assis e foi um de seus livros que marcou meu Ensino Médio: Dom Casmurro.

Assim, nasceu também a paixão pela sala de aula e percebi que ensinar era sinônimo de prazer também.

È interessante observar como minha vida escolar sempre foi marcada pela necessidade de deslocamento fosse: de um povoado para a cidade ou de uma cidade para outra.

Com o Ensino Superior não foi diferente, eu morava na cidade de Tucano e toda quinta-feira fazia o percurso de 258 km até a cidade de Belém do São Francisco – Pernambuco e o retorno se dava apenas no sábado à tarde.

As expectativas criadas sobre o que seria o meio acadêmico foram muitas e nem todas, claro, foram atendidas, uma vez que idealizamos de mais e esquecemos o quão é dura a realidade.

Pude vivenciar dimensões diferentes durante o curso, se por um lado, os debates em sala de aula, os seminários e viagens foram métodos que simplificaram o aprendizado e que me encheram de prazer, por outro, tive aulas e professores desinteressantes que me fizeram duvidar da instituição a qual escolhi para minha graduação.

O curso escolhido foi Letras e o CESVAF – Centro de Ensino Superior do Vale do São Francisco oferece Letras com habilitação em Português e Inglês e desde o início tive sérios problemas com a disciplina inglesa, o que me fez pensar em desistir por várias vezes, mas como tinha objetivos bem traçados continuei e conclui a tão sonhada e desejada Graduação. O ensino de Língua Estrangeira nas escolas públicas sempre foi defasado e tratado com descaso pelos envolvidos na Educação. No Município de Tucano não foi muito diferente, e minha história assim como a de muitos estudantes de escola pública, tive uma péssima base no estudo da Língua Inglesa e levo até hoje uma defasagem que iniciou lá na 5ª série do Ensino Fundamental.

Durante essa trajetória acadêmica participei de vários seminários, dando sempre maior prioridade à Literatura Portuguesa e Brasileira que foi e é uma área que sempre me identifiquei e que os professores fomentaram em mim essa paixão pela Literatura. Em um desses seminários tive a oportunidade de ler um livro de Agatha Christie que muito me marcou: “O Caso dos dez Negrinhos”.

Hoje em dia tenho grupos de estudos com os colegas de psicopedagogia, faço leitura de algumas revistas e no momento estou lendo o livro Raízes do Brasil de Sérgio Buarque de Holanda.

O pouco tempo torna-se um problema para sermos leitores mais assíduos, mas encontro sempre um tempinho para alimentar a alma.

2 comentários:

  1. Jade! Que história legal, hein? Muitas leituras boas... Gostei, parabéns!
    Beijo

    ResponderExcluir
  2. Escrever nossas memórias é um exercício que engrandece a alma.
    Muito bom ler você!
    Max

    ResponderExcluir